A síndrome do impostor é um fenômeno psíquico que faz com que a pessoa não se sinta boa o suficiente no trabalho que executa. Por mais estudo e conhecimento que se tenha, para ela, o que faz nunca é bom o bastante. Durante meus mais de 20 anos de atuação dentro da enfermagem, pude notar que a nossa classe profissional é muito acometida por essa síndrome, em especial as enfermeiras e acredito que isso possa estar relacionado à educação e à criação machista e pouco empoderadora que a grande maioria de nós, mulheres, tivemos.
Outro ponto que a meu ver impacta muito a autoconfiança na atuação da enfermagem diz respeito à questão social. Muitos profissionais iniciam suas carreiras como técnicos ou auxiliar de enfermagem, passam a atuar dentro das instituições hospitalares e, com o emprego, pagam o curso de enfermagem. Quando esse profissional chega na universidade, ele não tem conteúdos que trabalhem sua autonomia profissional, só recebe o conteúdo teórico da grade curricular, então ele retorna em busca de uma nova colocação no mercado, se olhando de baixo.
Esse profissional que tem experiência, embasamento e conhecimento, olha para o médico do hospital como um ser superior, como alguém que tem um poder aquisitivo maior que o dele, alguém que não pertence à sua classe social, que não precisou de tanto esforço para estar ali, e segue nutrindo esse sentimento de inferioridade.
Se estudar mais um pouco, você vira médica
Trata-se de um ciclo realmente desafiador pois na própria faculdade muitos professores trazem esse olhar sobre si mesmos e sobre a classe profissional e, por consequência, não empoderam os alunos. Culturalmente, o enfermeiro é visto como o secretário do médico. Perdi as contas de quantas vezes ouvi dos usuários em hospital público: – “Ah, mas você parece tanto médica!”; “- Se estudar mais um pouquinho, você vira doutora”. Ao que eu sempre respondia que não sou médica, sou enfermeira e tenho muito orgulho da profissão que escolhi. Mas isso precisa ser trabalhado dentro de nós, precisa ter força.
Assim como os enfermeiros são conduzidos para acreditar nesse papel de estarem abaixo dos médicos, os médicos são conduzidos para olhar de cima e, assim, muitos acham que podem mandar na enfermagem. Médico não pode ir contra a nossa atuação, não pode atuar além do seu exercício profissional. Sem contar que o médico passa plantão, quem está ali no dia a dia somos nós, a enfermagem. E outra coisa: Não se cadastre como Doula em hospital!!
O médico atua no curar e a enfermagem no cuidar
Cada profissional tem seu papel na assistência e, quando bem executados, promovem um olhar integral e individualizado. Quem estuda terapias de cuidado, por exemplo, é a enfermagem. Quando se ensina para uma enfermeira como fazer discussão de casos, como buscar evidências científicas, e ela alia isso à sua bagagem de condução de parto, todo mundo ganha.
Por outro lado, quando entramos em uma disputa de ego, quem sai perdendo é quem se sente mais fraco e na maioria dos casos, esse alguém é o enfermeiro. As relações de trabalho são também relações humanas e quando somos capazes de construir pontes saudáveis, conseguimos nos colocar na vida com inteligência emocional.
Acho que sofro de síndrome do impostor, o que faço?
Quando estamos seguras de quem somos e como atuamos, passamos segurança para quem estamos atendendo e isso é primordial para uma assistência de qualidade. Para isso, precisamos entender qual é o nosso papel no mundo e de onde vem a nossa força. O grande problema nisso é que a educação que recebemos, aliada à formação tradicional, na grande maioria das vezes não nos ajuda a ter essa segurança.
O que fazer para descobrir essa força e me sentir mais confiante? Bom, acredito que a primeira coisa a se fazer é ter conhecimento técnico para tomar condutas com segurança e defendê-las quando for necessário. O segundo ponto é se conhecer. Quem é você? Como você se coloca no mundo? Quais são os seus limites? O que te faz explodir? O que te ajuda a se controlar em um momento de tensão? O autoconhecimento nos ajuda a ter clareza nas relações com nós mesmos e com o outro. E lembre-se: para ter autonomia, você não precisa ser autônoma!
Muita gente sequer sabe que sofre da síndrome do impostor porque só segue protocolos. Um exercício interessante a se fazer é: eu faço o que faço porque é rotina, por quê é confortável ou por quê acredito que só posso fazer dessa forma? Tenho medo de ir além? Tenho medo de não conseguir? Ou o meu fazer é baseado no meu conhecimento, com base em evidências científicas, e no que de fato eu acredito ser o melhor para aquela mulher?
Karina Fernandes Trevisan é Enfermeira Obstetra, Parteira, Mestre e Doutora em Cuidados de Saúde e idealizadora da Commadre e do Institito Poder do Partejar